27.1.11

MEMORIAS DE UM COMILÃO

Já falei, por diversas vezes, dos Duques de Piu-Piu, um grupo de 6 elementos que só se largavam para trabalhar e para dormir. Éramos mais que irmãos, éramos e somos, ainda, amigos inseparáveis, independente do tempo ou da distancia. Nunca, em minha quase centenária existência, conheci pessoas tão unidas. Tínhamos nossas desavenças, mas passageiras, quase sempre superadas após alguns momentos. Nossas estórias são muitas, hoje decidi contar uma delas. Num certo domingo na década de 60, como fazíamos sempre, depois do almoço, e aqui preciso fazer o primeiro registro memorável: Um dos “duques”, de nome Francisco ou Chico, ou ainda 21, era possu8idor de um apetite voraz. Aos domingos ele costumava fazer a “via sacra” na hora do almoço. Almoça as 11 h em sua casa, seguia, depois para a casa do Cappezuto, onde novamente fazia uma boquinha, depois descia a 13 de Maio e chegava da Dr. Luiz Barreto onde morava o Xiribi e, ali, novamente comia seu pratinho, em seguida era a vez da minha casa e, ali comia de novo, só terminava de almoçar na Rua Santo Antonio, na casa do Toninho. Esse ritual era sagrado. Pois muito bem, nesse domingo em especial, depois dessa comilança toda, seguimos, todos, para a Avenida Ipiranga onde, logo após o famoso cruzamento da São João com ma Ipiranga, no primeiro andar de um prédio que tinha, na loja, a agência do Expresso Brasileiro, existia um clube de nome Centro Social Brasileiro e, ali, costumeiramente, dançávamos a tarde toda ao som de “Pìck-Up e Sus Negritos”. Naquele domingo, a frequência no clube estava pequena, as meninas, quem sabe, por causa do calor, não haviam comparecido. Foi então que o Xiribi perguntou: - Já que não temos ninguém para dançar, que tal embarcarmos num ônibus do Expresso Brasileiro e irmos tomar cervejas e comer mexilhões na praia? Lógico que ele estava sugerindo uma visita a um velho restaurante na orla da praia de Santos, no Gonzaga de nome A Balneária. Lógico, também, que todos aceitaram a idéia. Descemos as escadas, compramos as passagens e embarcamos no primeiro ônibus. A descida foi cheia de brincadeiras enquanto o ônibus ia vencendo as curvas da Via Anchieta. Por fim descemos no Gonzaga e no dirigimos ao famoso restaurante. No horário de nossa chegada, o almoço já havia terminado há muito tempo, que dizer dos aperitivos e dos ante pastos onde se enquadravam, com perfeição, os pratos de mexilhões. Não nos estressamos, pedimos os benditos mexilhões e cervejas para o acompanhamento. O garçom que nos atendeu foi solicito e, como o movimento estava bastante fraco, conversava e brincava com todos nos. De repente, não mais que de repente, eis que o 21 dá o ar de sua graça e pergunta ao garçom: Amigo, estou com fome, será que tem uns pãezinhos para acompanhar os mexilhões? O garçom, mesmo achando estranha a pedida, foi lá dentro e voltou com 3 pãezinhos informando que pelo adiantado da hora o Restaurante ao tinha mais pães para oferecer. O 21, por sua vez, devorou as 3 unidades em pouquíssimo tempo. Depois, chamou o garçom e perguntou se ele não conseguia mais pão. Ele reafirmou que não tinha mais, vendo, porém, o semblante de desanimo do 21 disse: O Restaurante não tem, mas eu tenho 4 bengalas grandes que comprei para levar para casa, se quiser posso vendê-las. O 21 aceitou de imediato e nem perguntou o preço. O garçom, então, disse: Se o senhor comer as 4 bengalas, sem qualquer acompanhamento, só podendo tomar água para ajudara descer, não precisa pagara conta. Nós, preocupados, tentamos aconselhar o garçom a não fazer aquela bobagem, mas ele não acreditou e a aposta foi selada. O 21 começou a dar tratos aos pães colocados à sua frente. Cada pão que ele devorava o garçom apresentava um semblante mais preocupado. Pronto, devorado o ultimo pão, o garçom desolado, ao ouvir do 21 se tinha mais uns pãezinhos de sobremesa, de imediato se prontificou a quitar sua aposta. Nós não permitimos. Sabíamos que o valor de nossa despesa estava muito acima do valor que ele ganhava com o dia de trabalho. Ele agradeceu e afirmou que nunca mais duvidaria de afirmações daquela natureza. Naquela altura, o tempo havia mudado uma garoa forte caia sobre nós, pagamos a conta e fomos atrás de passagens para o retorno a Sampa, felizes da vida. Como eram boas essas aventuras da mocidade!

23.1.11

MEMÓRIAS DE UM TORRESMINHO A PURURUCA

Ano de 1968, eu e da, Cida, já havíamos nos mudado da casa de minha mãe e estávamos morando na Rua Maria Jose 27. A época era de vacas magras. Eu sem emprego e ela trabalhando pelos dois numa empresa de persianas na Rua Augusta. A grana era apertada, além do salário dela o que pingava era alguns expedientes que eu fazia, um ou outro cachê teatral e nada mais. Um dia, sem nada para fazer e ocupar o tempo, resolvi colocar meus atributos de mestre cuca para funcionar e consultando os bolsos percebi que tinha o suficiente para comprar uma barrigada de porco e preparar um pratarraço de torresmos (minha perdição até hoje). Decisão tomada, fui em busca da matéria-prima, comprei, levei para a casa e comecei a preparar o quitute. Primeiro depilei a peça livrando-a de todos os pelos existentes, depois cortei a barrigada (estava linda e carnuda) em pequenos cubos e coloquei todos os pedacinhos em uma panela grande. Consultei o relógio, eram quase 17h, tempo suficiente para que o acepipe estivesse pronto para a hora do jantar. Acendi o fogo e coloquei a panela devidamente tampada sobre ele. Liguei a TV e comecei a assistir um programa qualquer. Lembro-me que a programação não estava conseguindo me entreter, fui até a cozinha, consultei a panela e vi que a banha começava a derreter. Decidi, então, ir ao encontro da minha amada que já deveria ter saído da empresa e, pelo adiantado da hora, deveria estar na altura da Major Diogo, a caminho de casa. Consultei novamente a panela e saí. De fato, encontrei dona Cida na Rua Major Diogo quase esquina com a Rua Dr. Ricardo Batista, e fomos caminhando para casa. No caminho, resolvi parar no Bar Urupês e comprar duas cervejinhas que seriam o acompanhamento líquido dos torresmos. Parei, ainda, na Padaria 14 de Julho, e comprei um pão de peito (pão italiano de forma redonda que os oriundi fatiavam de encosto ao peito) e, por fim, chegamos em casa. Nossa casa era um apartamento tipo sobrado. Subimos a escada e antes de concluir a subida, já sentimos um cheiro estranho no ar. Abrimos a porta da entrada e... Credo! Uma fumaceira nos envolveu totalmente. Incêndio? Perigo? Nada me esclarecia. Decidido, heroicamente entrei e atravessei o longo corredor que levava à sala e depois à cozinha, a fumaça era cada vez mais densa e o cheiro (fedor, para falar a verdade) era quase insuportável. Só ao adentrar a cozinha pude verificar que o fumacê tinha início na panela do torresmo. Apaguei o fogo, destampei a panela e... Que decepção, um monte de pedaços de carvão ressequidos e esfumaçados, grudados no fundo da panela. Concluí que o nosso jantar tinha ido para as cucuias. Tudo por causa de um ato de carinho e cavalheirismo da minha parte. O pior foi que o mau cheiro impregnou-se nas paredes e opor um grande número de dias nos fez lembrar, enojados, da ocorrência. Ah! Naquele dia o jantar foi pão italiano, uma salada de sardinhas de uma lata encontrada perdida no armário e cebolas que ainda existiam na geladeira. Tudo isso acompanhado de 2 cervejinhas geladérrimas. Torresmo que era bom, ficou na saudade!e-mail do autor: misagaxa@terra.com.br

14.1.11

MEMÓRIAS DE ESQUISITICES CULINÁRIAS

Hoje lendo textos antigos tive a memória voando lá para o final década de 50 e resolvi escrever sobre isso. No final dessa década eu tinha sido admitido, por interferência do meu amigo, irmão e compadre, o finado Antonio Settani, nos escritórios da Comercial e Importadora Restinga, para substituí-lo uma vez que ele havia sido transferido para gerenciar a fabrica que estava instalada na Avenida Celso Garcia 6090. Essa empresa era uma laminadora de ferro para construção que trefilava lingotes de diversas bitolas em barras de ferro 3/16¨. Tempos depois, com a venda da empresa para o Grupo Pontal o Toninho foi transferido para os escritórios do Grupo e eu, na cola dele, fui assumir o seu cargo de gerente da laminadora agora batizada como Alpont. Para melhor ilustrar esta narrativa, hoje, depois de todos esses anos, depois de todas as mudanças de urbanização, no local ainda existe uma empresa do ramo, a Ferro e Aço N. S. de Fátima. Bem, vamos deixar de digressões e voltar ao tema principal de minha narrativa. Desde muitos anos antes de eu ser admitido na Restinga, mesmo antes do Toninho para ser transferido para a Gerencia da Fábrica, um funcionário já exercia ali as funções de mestre (hoje Gerente de Produção), seu nome, Nicola Mastropietro, conhecido popularmente como Pedro. Conhecedor profundo de todas as mumunhas da profissão, homem de coração boníssimo, morador da Vila Ré e bastante meu amigo. Esse era o Pedro que eu conheci naquela empresa. Almoçávamos juntos, todos os dias, numa padaria logo depois do pontilhão da Central do Brasil. Éramos verdadeiramente dois bons garfos e na hora do almoço não nos fazíamos de rogados, batíamos pratos dignos de espanto. Às vezes, nas segundas-feiras, o Pedro fazia uma surpresa e trazia para o almoço quitutes que dona Lidia, sua esposa, havia preparado no domingo. Ora era uma generosa porção de pés e rabinhos de porco, ora uma rabada, ora uma galinha ao molho pardo, e coisas que tal. Um segunda-feira normal, quando cheguei à fábrica, o Pedro me disse com euforia: - Migué se prepara que o almoço hoje é especial. Em assim sendo, fiquei na expectativa, a espera da hora de saborear o quitute por ele trazido. Como de costume, um pouco antes da hora da bóia, tomei um trago da pinga especial que mantinha guardada no cofre e esperei servir o almoço. O Pedro, todo cheio de salamaleques, chegou com as marmitas já quentinhas e abriu-as. Nelas estavam o tradicional arroz, o feijão de caldo grosso e perfumado, e uma carne ensopada com batatas de aparência convidativa. Informou, então, que iríamos comer um coelho preparado com todo o capricho. Não tive duvidas, ataquei a comida como se fosse a ultima refeição da minha vida. Comemos, eu e ele, até nos fartarmos. Terminada a refeição o Pedro levantou-se, pegou um dos compartimentos da marmita, que havia ficado até então fechadinho, e dizendo-me ser a hora da sobremesa, aproximou a marmita para bem perto e a abriu ao mesmo tempo em que soltava estrondosa gargalhada. Dentro dela, devidamente acondicionada, estava a cabeça do gato que transvertido de coelho nos havíamos almoçado. No primeiro minuto levei um susto, mas depois, sopesando a delicia do almoço aplaudi a surpresa e fiz com que ele prometesse uma nova refeição idêntica para muito em breve. Foi mais uma das esquisitice gastronômica que vivi em minha existência.