No Brasil as características regionais são bastante acentuadas e na minha carreira profissional tive algumas provas disso.
Por volta de 1970, estava no interior do Rio Grande do Sul, exatamente na Aldeia de São Pedro do Sul, executando um trabalho de Consultoria de
Organização em uma empresa de beneficiamento de arroz.
Já perfeitamente entrosado com o pessoal, amenizava minhas críticas técnicas com conversas que aliviavam as tensões e versavam, geralmente, sobre futebol, política, mulheres ou comida.
Depois de vários papos, sabedores de minhas tendências carnívoras à mesa, fui informado que seria homenageado com um jantar no “Clube do Bolinha” que ficava na casa do Contador e. que o prato principal seria RATÃO DO BANHADO (*).
Fiquei assustado, procurei saber o que era realmente o tal ratão do banhado e me assustei mais ainda, era realmente um rato, dizia a enciclopédia, que vivia no banhado e se alimentava de brotos de arroz.
Temeroso, evitei comentar o assunto no intuito de passá-lo para o esquecimento, coisa que acontecia na maioria das vezes, mas desta vez não aconteceu.
Assim sendo, na última semana do trabalho, exatamente na terça-feira, um pouco antes da hora do almoço, o contador, que não tinha comparecido no período da manhã, chega à empresa me chama e pede que eu olhe a caçamba de sua caminhonete.
Olho e deparo com pelo menos vinte ratos, enormes, mais ou menos 40 cm. cada um, mortos e perfilados
Tremi, não conseguia me acreditar degustando aquela iguaria.
Tentei abreviar meu retorno para São Paulo, nada adiantou e, na Quarta-feira à noite fui delicadamente arrastado para o local do jantar.
Em um galpão, nos fundos da casa do contador funcionava o tal Clube, ao entrar encontrei a mesa posta com de saladas, temperos vários e diversas peças de pão caseiro.
Logo foram abertas garrafas de excelente vinho e eu, achando-me muito esperto, pensei que conseguiria enganar meus pares, comendo apenas saladas, pão e vinho.
A conversa estava animada, e eu usando de toda a p;icardia que havia obtido mercê minhas investidas em teatro e circo, procurei manter-me descontraído evitando, dessa forma, levantar qualquer tipo de suspeita dos demais comensais, para as minhas verdadeiras intenções.
Eis que, em certo momento, os assados ficam no ponto. São colocados à mesa e o dono da casa, sem muitas delongas entrega-me o primeiro quarto traseiro de um dos bichinhos para provar e aprovar.
Silencio geral, todos aguardam minha decisão, sem condições de recusar a oferta, tento ainda continuar a conversa segurando numa das mãos o copo com vinho e na outra o famigerado pedaço daquele rato assassinado e assado.
Depois de perceber o insucesso da minha tentativa, fecho os olhos, levo o pedaço à boca e dou uma mordida.
Antes tivesse experimentado o ratão há mais tempo, foi ótimo...
(*) De conformidade com Aurélio:
S. m. Bras. Zool.
1. Mamífero roedor, octodontídeo (Myocastor coypus bonariensis), do Paraguai, Uruguai e RS, hoje criado comercialmente, para aproveitamento de peles, em vários países. Dorso com tons de negro e amarelo-escuro, ventre e lados do corpo amarelo-brunáceos, e dedos posteriores reunidos por membrana natatória. Mede 60cm de corpo e 45cm de cauda. Tem hábitos aquáticos.
[Sin.: ratão-d'água, nútria, caxingui. Pl.: ratões-do-banhado.]
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