14.1.11

MEMÓRIAS DE ESQUISITICES CULINÁRIAS

Hoje lendo textos antigos tive a memória voando lá para o final década de 50 e resolvi escrever sobre isso. No final dessa década eu tinha sido admitido, por interferência do meu amigo, irmão e compadre, o finado Antonio Settani, nos escritórios da Comercial e Importadora Restinga, para substituí-lo uma vez que ele havia sido transferido para gerenciar a fabrica que estava instalada na Avenida Celso Garcia 6090. Essa empresa era uma laminadora de ferro para construção que trefilava lingotes de diversas bitolas em barras de ferro 3/16¨. Tempos depois, com a venda da empresa para o Grupo Pontal o Toninho foi transferido para os escritórios do Grupo e eu, na cola dele, fui assumir o seu cargo de gerente da laminadora agora batizada como Alpont. Para melhor ilustrar esta narrativa, hoje, depois de todos esses anos, depois de todas as mudanças de urbanização, no local ainda existe uma empresa do ramo, a Ferro e Aço N. S. de Fátima. Bem, vamos deixar de digressões e voltar ao tema principal de minha narrativa. Desde muitos anos antes de eu ser admitido na Restinga, mesmo antes do Toninho para ser transferido para a Gerencia da Fábrica, um funcionário já exercia ali as funções de mestre (hoje Gerente de Produção), seu nome, Nicola Mastropietro, conhecido popularmente como Pedro. Conhecedor profundo de todas as mumunhas da profissão, homem de coração boníssimo, morador da Vila Ré e bastante meu amigo. Esse era o Pedro que eu conheci naquela empresa. Almoçávamos juntos, todos os dias, numa padaria logo depois do pontilhão da Central do Brasil. Éramos verdadeiramente dois bons garfos e na hora do almoço não nos fazíamos de rogados, batíamos pratos dignos de espanto. Às vezes, nas segundas-feiras, o Pedro fazia uma surpresa e trazia para o almoço quitutes que dona Lidia, sua esposa, havia preparado no domingo. Ora era uma generosa porção de pés e rabinhos de porco, ora uma rabada, ora uma galinha ao molho pardo, e coisas que tal. Um segunda-feira normal, quando cheguei à fábrica, o Pedro me disse com euforia: - Migué se prepara que o almoço hoje é especial. Em assim sendo, fiquei na expectativa, a espera da hora de saborear o quitute por ele trazido. Como de costume, um pouco antes da hora da bóia, tomei um trago da pinga especial que mantinha guardada no cofre e esperei servir o almoço. O Pedro, todo cheio de salamaleques, chegou com as marmitas já quentinhas e abriu-as. Nelas estavam o tradicional arroz, o feijão de caldo grosso e perfumado, e uma carne ensopada com batatas de aparência convidativa. Informou, então, que iríamos comer um coelho preparado com todo o capricho. Não tive duvidas, ataquei a comida como se fosse a ultima refeição da minha vida. Comemos, eu e ele, até nos fartarmos. Terminada a refeição o Pedro levantou-se, pegou um dos compartimentos da marmita, que havia ficado até então fechadinho, e dizendo-me ser a hora da sobremesa, aproximou a marmita para bem perto e a abriu ao mesmo tempo em que soltava estrondosa gargalhada. Dentro dela, devidamente acondicionada, estava a cabeça do gato que transvertido de coelho nos havíamos almoçado. No primeiro minuto levei um susto, mas depois, sopesando a delicia do almoço aplaudi a surpresa e fiz com que ele prometesse uma nova refeição idêntica para muito em breve. Foi mais uma das esquisitice gastronômica que vivi em minha existência.