Ano de 1968, eu e da, Cida, já havíamos nos mudado da casa de minha mãe e estávamos morando na Rua Maria Jose 27.
A época era de vacas magras. Eu sem emprego e ela trabalhando pelos dois numa empresa de persianas na Rua Augusta.
A grana era apertada, além do salário dela o que pingava era alguns expedientes que eu fazia, um ou outro cachê teatral e nada mais.
Um dia, sem nada para fazer e ocupar o tempo, resolvi colocar meus atributos de mestre cuca para funcionar e consultando os bolsos percebi que tinha o suficiente para comprar uma barrigada de porco e preparar um pratarraço de torresmos (minha perdição até hoje).
Decisão tomada, fui em busca da matéria-prima, comprei, levei para a casa e comecei a preparar o quitute. Primeiro depilei a peça livrando-a de todos os pelos existentes, depois cortei a barrigada (estava linda e carnuda) em pequenos cubos e coloquei todos os pedacinhos em uma panela grande.
Consultei o relógio, eram quase 17h, tempo suficiente para que o acepipe estivesse pronto para a hora do jantar. Acendi o fogo e coloquei a panela devidamente tampada sobre ele.
Liguei a TV e comecei a assistir um programa qualquer. Lembro-me que a programação não estava conseguindo me entreter, fui até a cozinha, consultei a panela e vi que a banha começava a derreter.
Decidi, então, ir ao encontro da minha amada que já deveria ter saído da empresa e, pelo adiantado da hora, deveria estar na altura da Major Diogo, a caminho de casa.
Consultei novamente a panela e saí.
De fato, encontrei dona Cida na Rua Major Diogo quase esquina com a Rua Dr. Ricardo Batista, e fomos caminhando para casa. No caminho, resolvi parar no Bar Urupês e comprar duas cervejinhas que seriam o acompanhamento líquido dos torresmos. Parei, ainda, na Padaria 14 de Julho, e comprei um pão de peito (pão italiano de forma redonda que os oriundi fatiavam de encosto ao peito) e, por fim, chegamos em casa.
Nossa casa era um apartamento tipo sobrado. Subimos a escada e antes de concluir a subida, já sentimos um cheiro estranho no ar. Abrimos a porta da entrada e... Credo! Uma fumaceira nos envolveu totalmente.
Incêndio? Perigo? Nada me esclarecia.
Decidido, heroicamente entrei e atravessei o longo corredor que levava à sala e depois à cozinha, a fumaça era cada vez mais densa e o cheiro (fedor, para falar a verdade) era quase insuportável.
Só ao adentrar a cozinha pude verificar que o fumacê tinha início na panela do torresmo. Apaguei o fogo, destampei a panela e... Que decepção, um monte de pedaços de carvão ressequidos e esfumaçados, grudados no fundo da panela.
Concluí que o nosso jantar tinha ido para as cucuias. Tudo por causa de um ato de carinho e cavalheirismo da minha parte.
O pior foi que o mau cheiro impregnou-se nas paredes e opor um grande número de dias nos fez lembrar, enojados, da ocorrência.
Ah! Naquele dia o jantar foi pão italiano, uma salada de sardinhas de uma lata encontrada perdida no armário e cebolas que ainda existiam na geladeira. Tudo isso acompanhado de 2 cervejinhas geladérrimas.
Torresmo que era bom, ficou na saudade!e-mail do autor: misagaxa@terra.com.br
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