24.11.08

VARRE VASSOURINHA... VARRE! Miroca era o apelido carinhoso daquela negra forte e sorridente, seu nome era Miriam, mas sua mãe, afetuosamente, sempre a chamara assim. Tivera estudos elementares enquanto seus pais puderam arcar com as despesas, depois, teve que ir trabalhar de doméstica para ajudar no orçamento caseiro e, lógico, desistir dos estudos. Escola não ia, mas largar de ler jamais. Lia tudo que lhe aparecesse à frente, de bula de remédio a livro de pornografia. Assim foi adquirindo a cultura que lhe seria útil no correr de sua vida. Conheceu Ditinho, namoraram, casaram e montaram seu barraco lá na periferia. Sua casinha, simplória e mal acabada era um primor em ordem, limpeza e higienização. Um dia, Miroca, decidiu prestar concurso para trabalhar na prefeitura. Prestou e foi aprovada. Começou a trabalhar na prefeitura, ocupando o cargo de Gari Municipal. Hoje Miroca, como de costume, levantou cedo, serviu o café, preparou a marmita e foi para a labuta de todos os dias. Chegou cantarolando, e saiu com seus apetrechos para recolher o lixo das ruas. Uma varridinha aqui, outra varridinha ali, ia levando sua vidinha. Não se ressentia de ser uma gari sentia, isso sim, tristeza de ver que o povo da sua cidade, não tinha a educação suficiente para ser merecer elogios. Sua cantoria era, às vezes, interrompida por um resmungo de indignação: - Não é possível, será que ninguém tem na própria casa uma lata de lixo? Meu Deus, como será o interior da casa dessas pessoas? Deve ter sapato na sala, lata de lixo junto com a mesinha da TV, casinha de cachorro na cozinha... Soltava um longo suspiro, sorria e continuava a varrer. Varria e recolhia o lixo para evitar o entupimento dos bueiros. Ela já tinha lido em algum lugar que bueiros entupidos são fontes de doenças e epidemias. Era assim que começavam as contaminações. Depois, iam se alastrando e os surtos se instalavam. Mortes podiam acontecer. Será que ninguém se ligava nesses fatos? Assim pensando ela ia cumprindo suas tarefas... Nossa que trabalheira! -Será que os habitantes daquela cidade, daquele estado, daquele pais, da terra, não iriam aprender nunca. Ninguém percebia que ela, cumprindo as tarefas básicas, já tinha trabalho suficiente? Eles não precisavam lhe arrumar mais trabalho. Podiam facilitar as coisas para todos se os papeis, os tocos de cigarro, as embalagens de plástico, as latinhas fossem depositados em locais apropriados. Esse serviço extra lhe tomava um tempo acima do normal e não lhe permitia fazer o seu trabalho de varrer as sujeiras que a natureza, através do vento e da chuva, depositava nas ruas. Cansada parou para e tomar um café no boteco do Joca, ele lhe oferecia um todos os dias. Tomou seu café, suspirou profundamente e voltando ao seu carrinho, deu uma olhada para trás tentando conferir o trabalho que até então realizado e ficou mais desanimada ainda. O trecho de rua que ela varrera com tanto carinho e dedicação já estava cheio de lixo. As calçadas não haviam ficado limpas por mais de 10 minutos. Era o fim da picada! Não havia paciência que pudesse suportar tanto desleixo e falta de educação. Naquela tarde, voltando para casa, ela decidiu lançar uma campanha de conscientização para salvar o meio ambiente. Pegou uma folha de cartolina que havia sobrado do trabalho escolar de sua filha e, com um pincel mágico escreveu: “GALERA AMIGA AJUDE ESTA POBRE GARI CUIDAR DAS RUAS DE NOSSO BAIRRO E IMPEDIR QUE O NOSSO MEIO AMBIENTE VENHA FICAR MAIS DETERIORADO AINDA CERTAMENTE, A MÃE NATUREZA, VAI NOS AGRADECER BASTANTE! MOSTRE AOS SEUS VIZINHOS A BOA EDUCAÇÃO QUE RECEBEU DE SEUS PAIS E OS EXCELENTES ENSINAMENTOS RECEBIDO DE SEUS PROFESSORES.” No dia seguinte colou o cartaz com fita adesiva no seu carrinho e saiu para fazer o trabalho de todos os dias. Recebeu vários elogios dos transeuntes e comerciantes por onde passava varrendo, mas não queria parabenizações, queria atitudes. Esperava estar chegando ao intimo da consciência de todos. Sua determinação estava sendo bem aceita, já era um grande passo. Ao termino da jornada, volta à base para descarregar o lixo recolhido, limpar o carrinho e estacioná-lo direito até o dia seguinte quando vê se aproximar o supervisor dos garis e, lógico, seu chefe que com voz autoritária exige que ela retire aquele cartaz do carrinho, da-lhe uma tremenda bronca pela ousadia de usar um apetrecho da prefeitura para fazer campanha de cunho particular (?). Dá-lhe informa que por tamanho disparate ela ficará suspensa do trabalho por três dias e que, na reincidência será exonerada do cargo. Cabisbaixa, Miroca volta para casa sem entender por que ninguém lhe ajudava a cuidar do meio ambiente como deveria ser. No caminho ainda cantarolou trechos de umas modinhas melancólicas para, como pensou, fazer o fundo musical da sua tristeza. Um dia, se Deus quiser e se ainda não for tarde demais, lhe darão razão e aceitarão suas verdades. Até lá, sua rotina será a de sempre, andar pelas ruas fazendo a limpeza com sua vassoura.... Varre vassourinha, varre....