O sebo que gosto de visitar
Há 3 dias

Para comemorar o Dia da Poesia, revolvi meu baú e encontrei uma poesia da minha autoria para publicar nesta data.
s do ano. Eu morava no Jaguaré e acompanhado da mulher e filhos, saia mais cedo para o almoço dominical e fazia a primeira parada nesse bar, a Igreja tão próxima nem tinha o prazer de nossa visita.
nante, a variedade de bebidas adicionadas a cada drinque era segredo de estado, não transmitida a ninguém. E nós, pouco interessados em segredos, queríamos, apenas, degustar daqueles acepipes e néctares sem culpa na consciência.
nosso querido Bixiga.
essa delícia era preparada da seguinte forma: alguns gomos de linguiça calabresa fresca, acomodados em um recipiente e cobertas com álcool. Depois de acomodadas, um fósforo era riscado e o fogo ateado. As linguiças assavam ao fogo de álcool e depois eram servidas, tendo como acompanhamento, fatias de pãezinhos (no sul, cacetinhos).
Vamos relembrar a década 50. O ano? Pode ser 1956, não importa.
O que importa mesmo é o que a minha memória foi buscar La escondidinho, nos recôncavos de uma mente tão
cheia de preocupações.
Outro dia, conversando com minha esposa ouvi dela que durante o dia, em um desses programas de TV onde se cultua a arte da culinária, ela havia aprendido um prato formado por frango na cerveja e polenta. Estávamos a avaliar o sabor desse prato quando ela, num relance de lembrança, disse que além desse prato o programa havia apresentado a receita do ”bolovo”, ou seja, o bolinho de ovo cozido e empanado.
Confirmei que tal bolinho foi, sempre, um dos meus favoritos quando tive de encostar meu umbigo no balcão de um botequim.
Conversa vai, conversa vem, falando dos botequins da vida, veio, de supetão, uma deliciosa lembrança.
Lembrei que quando eu era o melhor Office-boy de São Paulo e, trabalhava na Condemar lá na Rua Senador Feijó, tinha um balcão de botequim que eu fazia questão de me encostar.
Era um pequeno bar na Rua Padre Adelino, quase na frente do
famoso Lanifício Fileppo. Sempre que surgia uma fatura para ser entregue ou, então, uma amostra de fio para ser levada até lá, eu fazia questão de ser o portador. Ia, quase sempre, em horários próximos do almoço. Apanhava o ônibus na Praça da Sé e antes de chegar ao Lanifício ou depois de lá chegar e fazer minha obrigação, eu parava no pequeno barzinho.
Atrás do balcão, servindo clientela, estava, sempre, uma senhora. Tinha ela a aparência de uma “mamma”, na cabeça um lenço estampado, protegendo a barriga um avental.
No rosto um
sorriso enternecedor e mantendo na estufa em cima do balcão umas polpettas fritas, divinamente deliciosas.
As polpettas eram bem fritas e sequinhas, uma verdadeira delicia
Já sabendo a minha pedida, ela colocava a porção de seis unidades do divino quitute, abria uma garrafa de guaraná da Brahma estupidamente gelada e me deixava saborear o almoço tão ambicionado.
Essa lembrança, que pena, jamais poderá ser repetida. A “mamma” com suas polpettas não mais está ali estabelecida e, infelizmente, já não existe o Guaraná Brahma.
Sou, orgulhosamente, brasileiro e paulistano, mas minha descendência ajudou a forjar minha personalidade. Sou neto de sírios por parte de pai e meu avo, por parte de mãe era italiano, melhor ainda, nap
olitano. A nacionalidade da minha avó materna, que não cheguei a conhecer, era russa e foi criada desde muito pequena na França.
Assim sendo, sou uma salada internacional em se tratando de formação sanguínea. Vai daí que a minha característica artística deve ter vindo da parte italiana, e a minha queda comercial da parte síria. Todo esse preâmbulo eu fiz para iniciar o relato desta minha memória.
Os anos eram os primeiros da década de 50, eu morava, como muitos já sabem, na Rua Augusta 291. Já contei também que a casa era antiga, de pé direito muito alto e agora acrescento uma informação, ela tinha um porão com mais de um metro de altura, utilizado para guardar tranqueiras, coisas obsoletas, livros antigos, garrafas e litros vazios que eram bastante importantes naquela época. O porão ocupava a totalidade da área construída e na sua parte fronteira, tinha pequenas
janelas resguardadas por grades de ferro e ficavam a pouco mais de 30 centímetros do piso da calçada fronteiriça.
Nos primeiros compartimentos desse porão, eu, meu irmão e meu primo, havíamos delimitado o nosso reino de fantasia. Ali brincávamos, guardávamos nossos poucos brinquedos oficiais e os muitos brinquedos de faz-de-conta que construíamos.
Como um verdadeiro Rei, por ser o mais velho, eu não permitia aos demais componentes daquele reino a ultrapassagem para as demais dependências daquele escuro porão. Para lá só um verdadeiro e heróico rei poderia fazer incursões e eu as fazia e, nessas minhas explorações eu dava vazão não só ao meu espírito aventureiro, mas, também, ao meu espírito de comerciante.
No meio desse porão ficava o deposito de garrafas e litros vazios av.
A mim cabia, então, a importante tarefa de transportar essas preciosidades até as janelinhas frontais do porão e, depois, na primeira oportunidade, já na calçada, resgatá-las com cuidado, e oferecê-las no empório que ficava na esquina da Rua Caio Prado com a Rua Augusta, para o “seu José”, proprietário do estabelecimento, que as comprava de muito bom grado.
As verbas obtidas nessas transações eram aplicadas em doces, sorvetes e ingressos nas matinês do Cine Odeon para assistir aos seriados de Dick Tracy, O Cobra, e os filmes de Esther Willians, Doris Day, Fred Astaire e muitas o
utras celebridades.
Essas aventuras financeiras duraram muito tempo, eu até pensava que elas não teriam mais fim. Um dia, sem mais nem menos, minha fonte de rendas foi descoberta. As garrafas já em fase terminal assustaram minha mãe, minha tia e meu avô.
A falta das garrafas já transacionadas promoveu uma grande surra neste que lhes escreve e, como castigo, um mês sem cinema e guloseimas.
Hoje, ao me lembrar do caso tenho mais convicta ainda, certeza de que não tive a mínima culpa em toda a estória, a culpa é devida, totalmente à minha descendência oriental.