24.5.09

PERDI A LIBERDADE NA VESPERA DA INDEPENDÊNCIA
Eu, homem vivido, já encaminhado para a reta final da estrada da vida, Ciente e consciente que meu caminho estava fadado à solidão (os bailes que freqüentava eram apenas pontos de reunião como amigos, terminados, eu me apegava à solidão e com ela ia embora), um dia, sem mais nem menos, vi toda a estória sofrer uma forte reviravolta. Hoje, por estar num fim de semana apenas e tão somente acompanhado por “dona solidão” chegou a hora de dissertar sobre o assunto e divagar sobre o tema. Então, divaguemos... Um dia, depois de ver naufragar um casamento de 32 anos até então normal, como todas as uniões estáveis, com altos e baixos, tristezas e alegrias. De repente, o caldo azedou de vez e a separação foi inevitável. Filhos e netos entenderam a situação e deram total apoio. O ruim foi eu me adaptar à nova vida. De boêmio inveterado na minha solteirice, havia me transformado em um homem caseiro, vivendo exclusivamente para o trabalho e para a família. Sentia-me um peixe fora d’água. A vida parecia ter perdido a graça. O trabalho passou a ser apenas uma obrigação. Divertimento, nenhum.
Minha vida havia se transformado na rotina casa/trabalho/casa, computador/cama. Tédio absoluto.
Essa fase durou apenas e tão somente 9 arrastados anos. O desprazer de sair sozinho à busca de diversão ou entretenimento não me permitia ousados arroubos. Eis que, senão, quando, numa agradável noite de sábado, tomei uma resolução. Sairia sim. Iria buscar um lugar na noite e voltar a viver. Sai, fui a um baile, dancei, percebi que o dançarino de antanho ainda existia, que minhas pernas ainda conseguiam florear os passos ao ritmo dos boleros, sambas, cha-cha-chás e outros que tais. Pronto, me transformei, ou melhor, me reinaugurei. Os bailes passaram a ser, novamente, o motivo das minhas alegrias. Com as danças vieram os conhecimentos e as amizades. Cônscio de que adentrado nos anos eu deveria me preocupar em viver a vida e não ter como finalidade a busca de uma companheira para vivê-la comigo, eu seguia, agora bem mais feliz, a minha trajetória. Trabalho, às vezes escasso, dança constante e o velho habito de rabiscar crônicas, poesias e memórias, se tornaram as rotinas da minha existência por mais de 3 anos. Aliás, essa minha mania de rabiscador me fez descrever em alguns textos, os salões onde eu trançava as pernas e suava a camisa. Certo dia, recebo um comentário sobre um desses textos onde a comentarista confessava ter se interessado em conhecer o salão do Ocean Praia Club onde se realiza, todos os sábados, o baile mais tradicional da Praia Grande. Explicou que fazia parte de um grupo social que tinha como objetivo, proporcionar momentos de alegria e prazer aos seus componentes. Perguntou, afinal, se eu poderia lhe passar o endereço do salão para que, um dia, em uma descida à baixada ela pudesse ir conhecer o baile e decidir da viabilidade de marcar um evento com seu grupo naquele local.
Na minha condição consciente de cavalheiro, não só aceitei em passar-lhe o endereço como me prontifiquei a ciceronear uma visita dela ao clube.
Confesso que nada além do cavalheirismo me levava a essa oferta. Principalmente por que, como dançarino conceituado eu não me permitia dançar com uma dama que eu não tivesse, previamente, avaliado suas qualidades bailantes. Alem do que, conhecedor das conversas internéticas, eu tinha quase certeza absoluta que esse oferecimento não iria dar em nada e em pouco tempo cairia no esquecimento.
Surpresa, isso não aconteceu e, numa noite, ao me conectar à Internet abri uma mensagem que dizia:
“Em setembro, dia 6,por ser véspera de feriado e eu estar sem compromissos profissionais, estou disposta a aceitar o seu convite e conhecer o baile que tanto você exalta.”
Pronto, amaldiçoei minha cavalheirice, pensei em responder que por infelicidade estaria viajando na ocasião, mas novamente, imbuído da condição de cavalheiro e, por que não dizer, com uma pontinha de curiosidade, confirmei o convite e me coloquei à disposição para o trabalho de ciceroneamento.
A moça realmente apareceu, nosso encontro, marcado para a tarde do sábado no Shopping local, foi surpreendente para mim. O sorriso dela, até hoje lembrado, me cativou de imediato.
Apresentamos-nos, fomos saborear um sorvete que por sua própria confissão ela era apaixonada, e com todo o respeito cabível, a conduzi até meu apartamento para que pudesse se trocar e se aprontar para o baile.
Devo confessar que depois de marcado o encontro eu me condicionei a esquecer em casa o dançarino e ser apenas o Miguel, recebendo a visitante, dando-lhe a atenção merecida e até dançando com ela algumas seleções. Ah! Principalmente, jurei abrir mão de dançar com minhas damas constantes, para não constrange-la.
Foi exatamente assim que me comportei. Não posso negar que a alegria e suavidade dela aliviaram em muito aquilo que eu estava considerando uma penosa obrigação.
Já havia, nessa altura, convidado e ela aceitara, pernoitar em meu apartamento para que antes do seu retorno para casa, pudéssemos saborear um peixinho na praia.
Dançamos, e terminado o baile, voltamos para casa. O meu cavalheirismo novamente se fez presente. Ofereci minha cama à visitante que, prontamente aceitou. Fui dormir numa caminha de solteiro.
No dia seguinte acordamos, tomamos o café da manhã. Conversamos mais um pouco e depois nos dispusemos a passear pela praia em busca do tal peixinho. Fomos, passeamos, sentamos num quiosque e saboreamos umas pescadas deliciosas, devidamente umedecidas por grandes goles de cerveja gelada (por mim) e suco de laranja (por ela).
Alimentados, ela consultou o relógio e considerou chegada a hora da partida. Voltamos para casa, ela se aprontou para seguir viagem, na hora da despedida, os dois de pé, na sala, nos olhamos, nos abraçamos e...
Pronto, tive consciência que na noite anterior, eu havia, definitivamente, perdido a minha liberdade.
Hoje, 8 meses passados, nos preparamos para viver uma nova vida e ambicionada experiência, a Sonia está aprontando as malas para vir morar no litoral e eu, de malas prontas, espero a sua chegada para ir ter com ela e com ela viver uma vida eivada de carinhos e alegrias em baixo de um mesmo teto. Assim, termino este texto exaltando a noite de 6 de setembro de 2008, pois foi aí que eu PERDI A MINHA LIBERDADE, NA VESPERA DA INDEPENDENCIA.