30.5.10



MEMORIAS DE UM PALAVRÃO
Sou hoje um ex ator frustrado, mas tenho, ainda, minhas boas lembranças dos palcos que pisei. Lembro-me que um dia, lá atrás, eu com o “fantástico” cargo de Diretor Artístico do G.A.T.O. (Grupo Amador Teatral Ozanam) do Colégio Comercial Frederico Ozanam, que muito me orgulhava, fui cientificado que a famosa Nydia Licia, naquela altura uma das grandes damas do teatro nacional, estava promovendo testes para formação de um novo espetáculo.
Não tive dúvidas. Junto com mais alguns membros do meu grupo, inclusive Maria do Carmo Seraphim que era por mim considerada como excelente, fomos bater às portas do antigo Teatro Bela Vista.
Lá chegando fomos atendidos por um senhor gordo e muito simpático, era ele o Sr. Renato, Gerente Administrativo do teatro. Ciente do motivo que nos levara até lá, nos encaminhou, de imediato, para o Alceu Nunes que, depois de nos fazer preencher uma ficha de inscrição, solicitou que retornássemos no sábado seguinte para fazer testes.
Ganhamos a rua bastante eufóricos e assim permanecemos até a data pré-estabelecida para o tão esperado teste.

Chegou o dia. Fomos admitidos no recinto onde vários candidatos permaneciam esperando o início da sessão. A aflição, o medo, a angústia deixavam nítidas marcas no rosto de todos.
Observando-os mais atentamente víamos gestos comuns a todos, mãos postadas, para diminuir o tremor, falta de melhor acomodação nas poltronas, risos nervosos.
De repente, não mais que de repente, acendem-se luzes na ribalta e surgem no palco a dama Nydia Licia, Alceu Nunes e mais um homem que ficamos sabendo, era o ator e diretor Libero Miguel.
Dona Nydia,então falou, explicou que estávamos todos ali para dar início ao projeto do Teatro da Juventude.
Explicou o intuído do projeto e, sem mais delongas, deu início aos testes. Foi chamando os candidatos, pedindo que lessem um texto previamente selecionado, depois representassem um trecho de um monólogo ou recitassem uma poesia.
Na minha vez, de tão nervoso, fiz tudo o que me pediram, mas não me lembro, até hoje, o que foi que pediram e, lógico, o que foi que fiz. Sei apenas que devo ter convencido, pois, ao final da sessão de testes, eu estava entre os selecionados e tinha como pares, nada mais, nada menos que Osmar Prado, Marcelo Gastaldi, e a Tuca.
Foram diversos dias de ensaio e de muita união. Minha admiração e respeito por Nydia Licia cada dia aumentava.
Enfim é chegado o dia da estréia.
Nas coxias, todos os membros, devidamente maquiados, esquentavam as vozes, corriam para uma última visita ao sanitário (coisa inevitável), eis que somos visitados, novamente, por Nydia Licia que nos reúne, dá mais um empurrão de confiança e, ao final, olhando nos olhos de todos diz: -“Bem, vamos para a cena e, MERDA para todos.”.
Um balde d’água caiu sobre minha cabeça. A diva do teatro usando palavra tão vulgar e de baixo calão?
Mesmo parcialmente decepcionado, não me permiti abatimento, fui para o palco e fiz a minha parte.
Depois, longe da repercussão dos elogios pelo desempenho de todos, recuperado da emoção provocada pelos elogios da Nydia, do Alceu e do Libero pelo sucesso da estréia, voltei a pensar no assunto e naquela palavra até então, para mim, bastante ofensiva.
Questionei o Alceu e ele, depois de sonora gargalhada, fez pose de mestre e me disse:
- Jovem companheiro, nos primórdios do Teatro, o público dirigia-se para assistir um espetáculo teatral usando como condução os coches, os tilburis, os cabriolés e outros que tais. Lógico, apeavam de seus veículos à porta do Teatro, em consequência, esse portal ficava coberto do estrume dos animais que tracionavam esses veículos. Para os atores, quanto mais estrume à porta, melhor era o resultado da bilheteria. Então apalavra MERDA passou a representar uma forma de augúrio e de expressar o desejo de muito sucesso.
Pronto, a decepção desapareceu e, daí em diante, sempre que aguardava o início de uma representação, fiz questão de dizer em alto e bom som: "MERDA PARA TODOS!"